terça-feira, 18 de setembro de 2012

Adriana E O Polícia De Olhos Tristes

... estória ouvida pela voz de Fernando Alves no programa "Sinais" da TSF, hoje de manhã...


"O abraço de Adriana, a aluna de artes, a Sérgio, o polícia de choque, de uma beleza desconcertante e "irreal", num dos momentos mais tensos da manifestação deste sábado em Lisboa, é já um ícone nos jornais de todo o mundo.

A imagem, captada pelo repórter fotográfico José Manuel Ribeiro, da Reuters, está hoje nas edições impressas do "Público" e do "i" (que lhe dá destaque de capa). Ela perpetua um momento inesperado e perturbador de uma manifestação a todos os títulos exaltante que espalhou nas ruas de Lisboa a mais digna indignação e durante a qual a polícia teve um comportamento exemplar. É uma imagem tão desconcertante, a tal ponto que parece encenada. Mas, na sua sinceridade surpreendida, ela celebra um momento tocante e improvável.

Adriana, 18 anos, veio de Lagos a Lisboa. É a primeira manifestação em que participa. Está junto à sede do FMI, assiste a um dos momentos muito tensos, quando alguns manifestantes lançam tomates e garrafas contra a troika. Ela repara num polícia de viseira levantada. Chama-se Sérgio, o RoboCop de olhos tristes.

Adriana e Sérgio já contaram aos jornalistas o que se passou nos breves minutos antes de um abraço que suscitara, entretanto, as interpretações mais fantasiosas. Sabe-se agora que Adriana se dirigiu a Sérgio tentando perceber o motivo para aquele aparato policial. Ele respondeu-lhe que estava a trabalhar. Ela perguntou-lhe se não preferia estar do outro lado, com os manifestantes. Ele ficou em silêncio e, conta ela, "olhou em frente, com olhos tristes". Ela explica ao "Público": "Aproximei-me dele, abracei-o. Ele ficou estático. Depois afastou-se suavemente. Não me afastou, afastou-se".

O jornal "i" ouviu a versão de Sérgio, o polícia " de olhos tristes": "Apesar de haver arruaceiros, tinhamos de permanecer calmos e, apesar de estar ali como agente do Corpo de Intervenção, também sinto na pele as decisões e medidas do governo". Sobre o abraço de Adriana: "Ela perguntou-me se não tinha vontade de me juntar à multidão e manifestar-me e a minha reacção foi olhar para ela com um ar de quem assume:'Sim, estou convosco no sentido da manifestação e sou parte do seu sentido'. E olhei em frente para a multidão. Momentos depois ela voltou e simplesmente abraçou-me. Fiquei estático e dois segundos depois disse-lhe 'Já chega'. E recuei ligeiramente".

Na imagem, captada pela arte de olhar de José Manuel Ribeiro, ela pousa a mão no colete táctico dele, sobre o peito. Ele pousa a mão enluvada no braço dela. Como se a protegesse. Há uma leveza tensa. Parece um movimento suspenso de uma dança.

Há um olhar abraçado, um silêncio comunicante.

Não estão condenados a viver abraçados. Da revoada de palavras destes dias colho a legenda para o silêncio com que Sérgio responde a Adriana. Este é, sem equívocos, um silêncio patriótico."

Fernando Alves escreve no português anterior ao acordo ortográfico.

imagem ionline


Um comentário:

  1. Todos nós estamos tristes... Para quê negar?
    talvez a revolta mais dramática seja aquela que se cala e procura, apesar de tudo, cumprir os seus deveres...do dia a dia.
    Apesar de tudo.

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