sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Distopia

Termo geralmente interpretável como sinónimo de ‘anti-utopia’ e aplicado a uma obra que põe em causa ou satiriza alguma utopia ou que desmitifica tentativas de apropriação totalitária de um cenário utópico.

A frequente confusão entre utopia e eutopia constitui um dos alvos principais da crítica distópica; outro dos seus alvos preferenciais é a constrição do não‑conformismo por via da referida apropriação totalitária; outro ainda, a asfixia cultural provocada por omnipresente propaganda, censura e repressão operadas pelo estado ditatorial ao visar impor como exclusiva a moral que favorece a sua estratégia de poder absoluto. Basicamente, tais alvos e objectivos da crítica distópica radicam na consciência de que a ética implica liberdade e responsabilização, de que a liberdade individual e política dos indivíduos fica seriamente ameaçada quando se pretende ignorar aspectos como os problematizados em utopias clássicas a exemplo do que Thomas More faz na sua: a idealização de um estado não corresponde necessariamente, na história humana, à perfeição desejada e possível; a cega obsessão de realizar à força o ideal é até susceptível de comprometer não só tal possibilidade como também a própria integridade física e moral de quem se empenha nas tarefas de aperfeiçoamento do mundo.

A distopia está para a utopia como o acordar de um sonho progressivamente degenerado em pesadelo, ao desmitificar a tentação de transformar uma idealização utópica (necessariamente lacunar) em sistema de despótica aplicação. Numa época como o século XX, que conheceu múltiplos efeitos horríficos desse tipo de tentação, a literatura anti-utópica adquiriu natural relevo e relevância (cf. entre outras obras, Brave New World, publicada por Aldous Huxley em 1930; Animal Farm e Nineteen Eighty-Four, publicadas por George Orwell respectivamente em 1945 e 1948). Mas a história das distopias tem desde sempre acompanhado a das utopias, nomeadamente a partir da publicação da referida e mais famosa obra de More, em 1516. A tradição utópica dá ênfase a um pelagiano cenário contrastivo onde tendem a apagar-se o pecado ‘original’ e outros, por via de uma convicção perfectibilista traduzida na realização de certas condições de satisfação colectiva. A tradição distópica, pelo contrário, sublinha não só a insuficiência dessas condições para a realização de ideais de felicidade, mas também a ameaça do colectivismo sobre as liberdades individuais, sociais e de participação política. Ao exercerem a sua crítica, os distopistas situam-se, pois, numa base agostiniana e adoptam um ponto de vista realista perante a persistência do mal e de usuais carências ou insuficiências que comprometem a realização humana.

 
Bibliografia
Frank E. Manuel e Fritzie P. Manuel: Utopian Thought in the Western World (1979); Krishan Kumar: Utopia and the Anti-Utopia in Modern Times (1987); M. Keith Booker: The Dystopian Impulse in Modern Literature: Fiction as Social Criticism (1994a); id.: Dystopian literature: a theory and research guide (1994b); Paul G. Haschak: Utopian / Dystopian Literature: a Bibliography of Literary (1995); Steffen Hantke: Conspiracy and Paranoia in Contemporary American Fiction (1994).


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